sexta-feira, fevereiro 15, 2008

saudade que se sente de tudo que ainda não se viu

O Patropi diz para o profº Raimundo “eu vou começar a piada pelo fim”. Ele –menininho, cabeçudinho... joelhinho grosso, barrigudinho, perna fina... quem? Quem? Ele. Raimundo Nonato! – concorda, ao que se segue um silêncio. Então o Patropi (que era também o Fofão) diz “estou esperando o sr. rir, pois a piada é muito engraçada”.

Imagine (geralmente estas 7 letras predispõe orientações substancialmente mais amigáveis, tais como all the people living life in peace...) perder tudo. Imagine não lembrar de nada, nem de ninguém. Perder tudo: as anotações, as memórias, os amores e, por fim, tudo mesmo, o tudo propriamente dito.

Nós (não os homens, nem os que mantêm blogs, tampouco os brasileiros, a nós todos eu me refiro, nós, os seres humanos, portanto) temos esta ciência, de que tudo acaba. Essa noção às vezes emerge do conjunto de coisas que soubemos o tempo todo e não pensamos muito ou o processo contrário, a gente submerge nela.

Como nos sonhos quando passados são agregados à nossa memória onírica, a qual toma status de memória real durante o sonho, pois enquanto sonhamos o sonho é nossa realidade, de tal forma que é como se aquele passado estivesse sempre ali, como se realmente tivéssemos vivido aquilo e isso nos é abruptamente tomado quando despertamos (quando é pesadelo é bom, não? “Ai, que alívio...”).

Saudade de tudo.

Pode parecer um post adolescente parafrasear no título mais ou menos Renato Manfredini Júnior, mas a Legião é realmente emocionante e Índios é realmente muito bonita. Mas não é disso que falarei.

Há a falta que fará tudo o que não será realizado (quantos aí não vão ser jogadores de futebol, quantas não vão ser bailarinas, ou quantos não vão ser cirurgiões renomados ou mesmo renomados, como queriam ser quando ainda não tinham a oportunidade de ser?). E o pesinho de chumbo de que o que se poderia ter sido feito, poder-se-ia ter feito?

Saudades. Só que em vez da foto do ausente na mão, a ausência é do que não se fez e não há mais tempo a fazer. É uma ausência desde sempre.

É a presença da ausência e não a ausência da presença.

Eu sonhei assim: eu estava na minha casa, no meu quarto, eu era eu, ou seja, tudo como é, daí eu achei uma gaveta cheia de objetos guardados, coisas pessoais, cartas, lenços, fotos, coisas escritas e desenhos meus, e aquilo era (no sonho, e na hora, portanto) parte de mim. Quando despertei, dei-me conta de que aquilo tudo não existia.

Uma gaveta vazia, que poderia ter sido enchida. E há uma dessas na gente, limpinha. Ou várias, tipo um arquivo, com chaves e tudo, organizado, firme, com fichas para separar as coisas e... vazio.

Poderia ser remorso ou angústia, mas não. É saudade. A saudade das coisas que acabam porque acabam, ou que não foram porque não foram. Doem mais como barco que descrevendo um arco discretamente evita o cais do que uma fisgada no membro perdido, esta lembrada por Layla Lauar ao mencionar a belíssima composição de seu admirado Francisco Buarque. Não é uma saudade urgente. Para esta, a cura talvez é o esquecimento. Para a outra, o esquecimento – a extinção – é a causa.

Saudade de nada.

Saudade do nada que não necessariamente deveria ter sido nada.

Pode ser exagero meu (exagero eu?). Até porque eu tenho saturno na casa 8, que me confere um medo das mortes, e a idéia de que as coisas acabam me angustia (eu ia escrever “podem acabar”, mas não, as coisas invariavelmente acabam).

E ainda por cima eu tenho bloqueio de elementos terra (estou no mapa astral natal ainda e não noutro tipo de mapa, como o cartográfico) e muitas posições em sagitário, que me dão uma certa síndrome de Peter Pan (mas não é nada doentio, não é síndrome de síndrome mesmo, é só um jeito de designar).

O Guga (Gustavo Kuerten, ex-número 1 do mundo, tri campeão Roland Garros etc) chorou anteontem (ou um dia antes disso), porque percebeu o fim.
Quando uma coisa acaba é como tomar um murro, mas saber que tudo acabará é como saber que é impossível vencer a briga.

Quando se faz algo e se arrepende, é como olhar para uma caixa e não gostar dela. Mas quando não se faz e se arrepende, é como olhar um monte de dinheiro que não foi usado, ou sementes não plantadas para ser mais clássico. Ou algo muito (ou mais ou menos) parecido com isso.

Mas não foi à toa que o (xará!) João Guimarães Rosa escreveu a frase a vida parece que vai, mas vem vindo e ela fora citada justamente ontem por um repórter que infelizmente não sei o nome ainda que fazia uma participação semelhante às do Arnaldo Jabor no JN só que num jornal do Sistema Brasileiro de Televisão até então inédito para mim, lá pelas tantas da noite (quiçá madrugada), justamente na hora em que eu quis dar um minuto para esta saudade toda e fui zapear a televisão na esperança da luz azul me desafogar um pouco da submersão nessa verdade. Obrigado azulada luz, bola p/ frente (luz-a-zul, notaram?).

Acabar é a arma da vida para que a vivamos verdadeiramente.

E se a vida vem vindo, não se trata de nós a deixarmos para trás, mas sim de ela nos encontrar.

7 comentários:

layla lauar disse...

Oi joão, você escreveu tão lindamente sobre a saudade, fiquei encantada e meio que envergonhada dos meus textos tão simples. Como todo mineiro, adoro prosear, mas só faço isso mesmo, proseio com quem acessa o meu blog. Você é um Poeta, um artista das imagens também, pelo que vi no seu outro blog o dos "desenhos e fotos". Vou linkar você, espero que não se incomode, para facilitar meu retorno e porque gostei por demais de ler seus escritos.

Um beijão e/ou um abraço, como preferir. rs

Obrigada pela referência, pelos seus coementátios no "ressaca".

criscalina disse...

Oi, João,
A insatisfação sereria uma causa de luta, mas você acha mesmo que as pessoas estão dispostas a isso?
Eu mesma acho que não. E faço minha pequena luta íntima e em pequenas rodas que me permitam fazer... Meus pequenos levantes.
Depois vou passar aqui com calma, pra ler seus textos. Agora, tenho que voltar pro meu funcionalismo público. :)

Mônica disse...

Nossa, quanta coisa pra eu pensar depois disso tudo. E quanta coisa eu queria comentar. A principal, talvez nada, talvez tudo a ver seja que dói (pra mim) a saudade do que não tive do que a das coisas que tive.
ah, cheguei aqui pelo blog da Daniella. voltarei mais vezes.

João Grando disse...

Pois proseias muito bem, então, se é assim, Layla.

Cris, vou responder lá no teu.

Mônica, acho que essas são as que mais doem mesmo. Sei lá, não dá para saber direito dessas, elas são traiçoeiras, pois podiam ter sido muito. Eu sempre lembro do Tabacaria, do Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa quando penso nisso.

criscalina disse...

Tudo bem, João, você venceu. :)
Vou continuar tentando aumentar o meu levante.

katherine funke disse...

massa - virei ler tuas linhas mais também. líricas e duras linhas, tais como a canção do legião.
**
obrigada pela visita.

Anônimo disse...

Olá João! Através do comentário que me deixou no blog, vim conhecer o seu espaço.... gostei muito dos seus textos e estou te linkando...

A vida é cheia de oportunidades e, feliz ou infelizmente, nós nos deparamos, hora ou outra, com bifurcações e temos que escolher qual caminho seguir, deixando para trás milhares e milhares de pessoas que poderíamos ter nos tornado... é a vida! O negócio é saber quando ainda é tempo de voltar atrás e tentar fazer o que não foi feito, viver o que não foi vivenciado... nosso tempo, apesar de limitado, pode ser vivido de maneira ilimitada, basta apenas fazer boas escolhas...